Uma máquina de 2 metros de altura e cerca de 40 quilos ganhou lugar especial na casa do ambulante José Dimas da Silva, em Santa Isabel
(SP). Para recebê-la foi preciso mudar os hábitos da família: onde
antes era a sala virou quarto e vice-versa. “Foi bom ganhar um quarto
novo. Aqui é mais bonito, arejado e me deixa mais perto da máquina”, diz
o estudante Hugo Aparecido da Silva. Finalmente, um ano após o pai de
Hugo, José Dimas, decidir criar uma máquina que ajudasse o filho a
andar, o equipamento começou a ser usado pelo jovem de 16 anos.
Hugo nunca andou sozinho. Uma experiência que desde o começo de
novembro está chegando cada vez mais perto de ser realizada. “Estou
andando pela quarta vez já”, dá risada o estudante. “Nunca fiz isso. É
gostoso e diferente, mas muito bom. Quero mais. Não imaginava que andar
mexia todas essas partes”. Aos 11 meses a família descobriu em Hugo uma
paralisia cerebral, que afetou a parte motora dos membros inferiores do
adolescente.
A ideia do simulador veio depois que o pai dele encontrou na internet
um equipamento feito na Argentina. Segundo José Dimas, um mecânico fez
uma máquina parecida para o filho. Ele tentou comprar, mas custaria US$
30 mil. Apesar de não ter habilidades práticas, o pai de Santa Isabel,
tinha o mesmo combustível que o pai argentino: o desejo de ver o filho
caminhando. Depois de alguns meses de trabalho, de investir R$ 2,5 mil e
de contar com a ajuda de amigos, Dimas esperou ansioso para que o filho
pudesse usar o aparelho.
O uso do equipamento só foi liberado depois que Hugo se recuperou de
uma cirurgia feita no joelho, em julho deste ano. Só então as sessões de
fisioterapia voltaram e o simulador pode ser testado.
O fisioterapeuta que acompanha Hugo, Silvio Massaki Igarasi, se
impressionou com a história. “Nunca tinha visto algo assim sendo usado
para caso de paralisia, em que não se tem uma resposta muscular. Foi a
primeira vez. Normalmente usamos esse tipo de máquina em atletas para
dar mais mobilidade. Não imaginava que alguém poderia fazer um estímulo
mecânico e usar um motor para fazer a função do cérebro. Achei muito
interessante”, diz.
Dimas não sai nem um só minuto do lado do filho
durante fisioterapia (Foto: Carolina Paes/ G1)
Movimentando as pernas
O
G1 acompanhou uma sessão e pode comprovar os efeitos
do "cérebro mecânico" criado pelo pai, que tem apenas um sonho: ver o
filho andar. “Com ela meu filho fez algo que nunca tinha feito na vida e
isso que é importante. Já é um sonho realizado, o que vier é lucro.
Estamos muito animados”, diz Dimas.
Já foram 15 sessões de fisioterapia, mas apenas há quatro o estudante
tem usado o simulador. Além de ter que fazer alguns ajustes no
equipamento, como a colocação de fivelas nas costas e pernas para dar
mais segurança e conforto para Hugo, foi preciso cuidar de alguns
detalhes antes de estrear a máquina. “O uso dela atrasou em um mês, pois
tivemos que curar algumas feridas no corpo por ele ter ficado muito
tempo deitado no pós-operatório. Além disso tivemos que fazer com que os
joelhos dele dobrassem de novo com exercícios manuais”, explica o
fisioterapeuta.
Desde que inventou o simulador, Dimas tinha receio do equipamento não
ser aprovado. Um medo que dia a dia foi ficando cada vez mais distante.
“Estava com medo dos médicos recusarem, mas toda a equipe olhou a foto
que levei no dia da consulta e gostou. Ai você fica aliviado e contente.
Depois disso minha esperança na máquina aumentou mais. Por alguns
minutos achei que não iam aprovar”, lembra. A opinião do fisioterapeuta
só confirmou as expectativas do ambulante. “Quando as sessões começaram
aqui em casa perguntei para ele o que precisávamos para melhorar o Hugo.
Ele respondeu muita caminhada. Ai mostrei a máquina.”
E em pouco tempo de uso todo o esforço já vem dando resultado. Hugo vem
correspondendo bem ao tratamento sem dores na perna e com alguns
efeitos positivos. “Nas últimas vezes ele está sentindo as pernas
formingando, o que no caso dele é um sinal de que os nervos estão
melhorando a sensibilidade. Depois disso vem o estímulo motor e a
contração muscular. Ai estamos perto para ele conseguir andar”, diz
Igarasi.
O fisioterapeuta ainda explica que tudo isso também depende das
respostas do organismo e dos estímulos. É preciso muita persistência.
“Tratar o Hugo é bom porque ele é um paciente motivado que tem força de
vontade e procura sempre te ajudar quando precisamos dar uma reposta
positiva. Além de tudo, ele tem força para vencer mais essa etapa da
paralisia cerebral que é bem complicada. Nem todos os pacientes têm
essas respostas que ele está tendo. Ele tem bons resultados apesar da
doença e chances de um dia andar sem muleta, mas é preciso muito
estímulo. Não temos certeza que ele vai ter toda a recuperação que
esperamos, mas depende da persistência”, afirma o fisioterapeuta.
De acordo com Igarasi isso deve acontecer pelo estímulo que a máquina
causa na articulação do tornozelo, do joelho e do quadril. “Apenas com
exercício manual não conseguimos isso. O estímulo da máquina é contínuo e
ajuda na contração da musculatura. Esperamos então desenvolver mais a
área motora do cérebro dele para desenvolver a marcha”, explica.
Mas para o pai essa resposta do corpo já é a faísca necessária para ele
não parar. “ A resposta foi boa. Fico feliz. O formigamento é bom
porque é um sinal que está mexendo algo lá. Está dando certo então”,
afirma o ambulante.
Bem calmo e tranquilo, diferentemente do pai agitado, Hugo revela sua
opinião sobre a nova 'queridinha da família'. “ Eu gostei de usar. Gosto
de ficar nela. No começo tinha medo de cair”, desabafa. “Mas depois
criei coragem e fui. A vontade de melhorar é maior. Quero sair da cama e
devo isso a meu pai também. A sensação das pernas mexendo sozinhas,
como se estivesse andando, é gostoso”.
Dimas e o filho orgulhosos dos resultados da máquina (Foto: Carolina Paes/ G1)
Liberdade
Três vezes na semana, de 20 a 30 minutos. Esse é o tempo permitido para
Hugo usar o simulador. A velocidade, segundo o fisioterapeuta, é
baixa, de menos de 10 km/h. As sessões de fisioterapia começam sempre
com a movimentação dos joelhos e um alongamento.
Mas apesar da máquina ser grande e cheia de cabos, botões, travas de
segurança, guindaste e fivelas, Hugo não a larga por nada. “Eu gosto de
andar nela e só não gosto quando tenho que sair. Quero sempre ficar
mais”, diz. “Com ela, tenho a sensação de liberdade também porque ali
estou caminhando sem as muletas. O Silvio pede que na hora que estou
nela me imagine andando de verdade. Ai nessa hora penso que estou
caminhando sozinho pela cidade. É um incetivo para ir mais rápido. Hoje
acredito que isso possa ser possível mesmo e cada vez mais me orgulho do
meu pai”, afirma Hugo.
E como não poderia deixar de ser, o ambulante, mecânico, pai, ganha
mais uma função. Dessa vez ele vira assistente de fisioterapia e não
para um só minuto. Mexe daqui. Levanta dali. Questiona o profissional.
Anima o filho e olha para o canto da casa com a certeza de que os passos
reais de Hugo não estão distantes de serem vistos. “Sofremos juntos e
em cada vitória estamos unidos também. O que importa é ver o Hugo feliz e
caminhando. Sei que isso não está longe e não posso parar.”
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