Neste Blog, publicarei textos que apresentei em congressos, traduções que fiz para ajudar em estudos de casos e também artigos publicados em outros sites e blogs de interesse para a área da Fonoaudiologia, Neuropediatria e Saúde em geral.
Kelly de Moraes Grolla e Fernando Luso Barreiros Neto: "Tive medo de machucá-los"(Paulo Vitale/VEJA)
O parto chega ao fim. A mãe ainda não pode acolher o filho nos braços. O bebê é carinhosamente levado para um canto da sala e cercado por médicos que o examinam velozmente. Os profissionais registram uma queda brusca de temperatura no organismo da criança. A pele fininha, com vasos quase expostos, e a escassa gordura do corpo não armazenam o calor a contento. O processo tem de ser drasticamente interrompido. O bebê é envolto em um saco de plástico fino, feito de polietileno, para frear a perda calórica. Incapaz de respirar sozinho, recebe suporte de oxigênio por meio de uma cânula que entra na boca, passa pela garganta e vai até os pulmões. Ele é acomodado sobre um colchão térmico. A cabecinha é protegida com uma touca de lã. A mãe o vê sair. Ele é levado para a UTI do hospital, onde permanecerá por no mínimo dois meses, tempo necessário para que os órgãos amadureçam e se fortaleçam com a ajuda de aparelhos. O sistema digestivo do corpinho frágil não consegue digerir alimentos, tampouco o leite materno é aceito com naturalidade. As paredes das artérias do cérebro são tão finas que podem se romper a qualquer instante. Os rins têm pouca capacidade de filtrar o sangue.
A evolução na taxa de sobrevivência sem sequelas dos chamados prematuros extremos, aqueles que precisam de mais cuidados ao nascer. Os pesos e as alturas representam uma média - Fonte: Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos(VEJA.com/VEJA)
Assim correm os primeiros minutos da vida de um bebê nascido com 28 semanas de gravidez, apenas 1 quilo e 29 centímetros de comprimento. Hoje, seis a cada dez crianças com medidas assim, tão diminutas, conseguem sobreviver sem nenhum tipo de sequela. "Houve espetacular avanço, um dos mais fascinantes da medicina", diz Suely Dornellas do Nascimento, pediatra neonatologista do Hospital Santa Joana, em São Paulo. Há duas décadas, apenas quatro venciam a dramática travessia inaugural. No patamar das 28 semanas deu-se o grande salto estatístico. Mesmo em bebês ainda mais prematuros, de 25 semanas, celebra-se alguma conquista - de 18% de sobreviventes sem danos posteriores, taxa registrada em 1997, saltou-se para 22% agora. Crescidos, esses bebês levarão vida igual à dos nascidos a termo, de 38 a 42 semanas, com 3 quilos e os órgãos completamente desenvolvidos. A animadora informação faz parte do maior estudo já realizado sobre a prematuridade, recém-publicado na revista científica The Journal of the American Medical Association (Jama). Conduzido pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), o trabalho avaliou 35 000 bebês nascidos antes do tempo ao longo de dezenove anos. É um marco.
Extraordinárias inovações da medicina neonatal permitiram que vidas começassem mais cedo - como a criação do teste de Apgar (do nome da médica americana Virginia Apgar), que, em 1950, estabeleceu critérios para definir os sinais vitais de um recém-nascido. Ela também propunha que outro médico cuidasse exclusivamente da saúde da criança. A presença de especialistas na sala de parto permitiu uma melhora na saúde do bebê ao nascer. Já mais recentemente, em 2011, autorizaram-se procedimentos cirúrgicos ainda no ventre da mãe. Na neonatologia, contudo, a tecnologia anda de mãos dadas com a delicadeza do contato materno e, em menor grau, também do paterno. Valoriza-se tanto o uso de cateteres, sondas e eletrodos, garantia de bom funcionamento das funções vitais, quanto o colo dos pais e uma UTI com iluminação reduzida de modo a acalmar os pequenos pacientes.
O número de nascimentos prematuros no Brasil – principal
causa de morte até os 28 dias de vida do bebê – se assemelha ao de
países de baixa renda. A cada mil brasileiros nascidos em 2011, 117 não
chegaram a completar 37 semanas de gestação. Em países pobres, foram 118
prematuros para mil partos, contra 94 nos de renda média. O dado
nacional é bastante superior ao que vinha sendo considerado pelo
Ministério da Saúde até então – 7,2% – e tem relação com as altas taxas
de cesáreas eletivas praticadas no país. É o que afirma o estudo
“Prematuridade e suas possíveis causas”, desenvolvido na Universidade
Federal de Pelotas, com participação de 12 universidades brasileiras e
apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).O obstetra Carlos Miner Navarro, professor da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), explica que existem dois tipos de
prematuridade: um que pode ser minimizado com medidas como
acompanhamento pré-natal, por meio de utrassonografia, e outro
diretamente relacionado à escolha pela cesariana. No primeiro caso, se o
exame indicar que o colo do útero é curto, é feita medicação para
atrasar a data do parto. “Estudos mostram que uma ou duas semanas fazem
muita diferença no desenvolvimento do bebê”, explica.
O desafio, porém, é reduzir o número de cesáreas eletivas no
país. Segundo Navarro, se o parto normal fosse priorizado no país, a
taxa de prematuridade cairia. Atualmente, o número de cesarianas supera o
de partos naturais, chegando a 80% dos nascimentos em hospitais
privados. “Exceto em casos específicos, o parto normal é sempre melhor.
Há margem de erro nas contas das semanas e, muitas vezes, o bebê é
retirado sem estar pronto. O trabalho de parto termina de amadurecer a
criança, joga uma série de hormônios na corrente sanguínea e fortalece o
tórax.”
Segundo a pediatra e neonatologista Regina Cavalcante,
coordenadora da UTI neonatal do Hospital de Clínicas, entre as causas
de partos prematuros, estão assistência pré-natal inadequada, uso de
drogas, gravidez gemelares e fora da idade ideal. “Os dois extremos são
risco: as mães adolescentes e as mães acima de 35 anos.”
As preocupações com o bebê prematuro, vão além da
mortalidade. Expostos a tratamentos agressivos e ao ambiente de terapia
intensiva, há risco de infecção e de sequelas neurológicas,
respiratórias e de visão. “Quanto menor o bebê, maior o risco de
retinopatias, que podem causar cegueira”, completa Regina.
Pediatra na UTI neonatal do Hospital Nossa Senhora das
Graças, Rejane Biasi Cunha explica que o peso nem sempre é o fator mais
determinante para a sobrevivência do bebê. “A idade funcional é mais
importante, porque às vezes ele pesa pouco por ser desnutrido e não é
tão prematuro.”
Parto normal, uma escolha feliz
Enquanto fazia o pré-natal do primeiro filho, há três anos, a
fotógrafa e publicitária Laiz Zotovici Martins, 33 anos, foi
desaconselhada pelo médico a tentar parto normal. “Ele disse que eu não
tinha dilatação, contração e agendou a cesárea para 39 semanas e meia.
Sendo que poderíamos ter, pelo menos, esperado eu entrar em trabalho de
parto”, recorda. Seis meses depois do nascimento de Antônio, Laiz criou
um blog sobre maternidade e começou a trocar informações com médicos e
outras mães pela internet.
Quando veio a segunda gravidez, no final do ano passado, ela
estava decidida a encontrar um obstetra adepto do parto normal. “Foi
uma escolha bem feliz! Na mesma semana do parto, já estava lavando
roupa, fazendo comida e podendo brincar e dar atenção ao Antônio.”
Segundo Laiz, o segundo filho, Théo, apresenta imunidade
maior do que o primogênito. “O parto é um sofrimento necessário para o
fortalecimento do pulmão, e, para a mulher, é uma experiência única e
profunda de autoconhecimento. Se eu tiver outro filho, será de parto
normal, talvez até em casa.”
80% é a taxa de sobrevida dos prematuros nascidos entre 28 e
37 semanas. Mas a pediatra Rejane Biasi Cunha explica que esse
porcentual varia muito, e cai para 60% com gestação inferior a 28
semanas. Abaixo de 22 semanas não há maturidade suficiente para o bebê
sobreviver.
Para prevenir doenças físicas e
psicológicas, iniciativa da Unifesp acompanha cem crianças que nascem
todos os anos antes do tempo
Fernanda Aranda/ iG São Paulo
Projeto da Unifesp monitora prematuros por 20 anos. Na foto, os pés de Eduarda, nascida com menos de um quilo
Nas próximas duas décadas, todos os passos dados pelos
pés da foto acima serão monitorados. Por enquanto, os membros de apenas 4
centímetros – menores do que um polegar adulto – precisam crescer mais
na incubadora, recebendo oxigênio e alimentação por sonda.
A dona dos pezinhos inquietos é Eduarda, nascida no dia
18 de setembro, pesando 846 gramas, depois de uma gestação incompleta de
6 meses. A condição de saúde frágil a levou direto para UTI do Hospital
São Paulo, sem previsão de alta. Apesar dos médicos não conseguirem
estimar o tempo de internação, eles já prescreveram a receita de um
desenvolvimento seguro: 20 anos de acompanhamento intenso após a alta
hospitalar.
Isso porque os estudos científicos mostram que os bebês
com baixo peso extremo (menos de 1,5 quilo) crescem mais suscetíveis a
problemas cardíacos, pulmonares, ortopédicos e neurológicos quando
comparados às crianças que nascem de gestações de nove meses completos.
“As piores condições de saúde, por vezes, demoram a se
manifestar, em especial quando são psicológicas. Por isso, decidimos que
todos precisam ser monitorados até, no mínimo, os 19 anos e 11 meses”
afirma o professor de neonatologia Benjamin Israel Kopelman, um dos
idealizadores do Programa de Monitoramento do Prematuro da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
O trabalho é feito em parceria com a ONG Viver e Sorrir,
por equipes de psicólogos, assistentes sociais, pediatras,
nutricionistas e cardiologistas. Todo ano, cerca de cem crianças que
nascem com menos de 1 quilo são encaminhadas ao programa.
“É isso que vai proporcionar uma vida adulta saudável,
independente e com menos sequelas. O prematuro, não importa a idade,
sempre será um prematuro”, completa Kopelman.
O programa da Unifesp nasceu há 8 anos e foi desenhado de
acordo com as demandas colhidas na maternidade São Paulo. Voltado às
famílias de baixa renda, o trabalho também é social e já garantiu
aparelhos de surdez, cadeiras de roda e próteses ortopédicas aos
participantes, tudo por meio de doações.
Fernanda Aranda/ iG São Paulo
Gustavo, prematuro, está com 8 anos e há 8 anos é monitorado. Na foto, ele se diverte com a mãe Eliane
No total, 800 prematuros são monitorados neste projeto. A
mais nova é a Eduarda, dos pezinhos de 4 centímetos. O mais velho,
Gustavo Martins Pereira, 8 anos, é torcedor do São Paulo, fã de Power
Rangers e apreciador de “macarrão de gravatinha com salsicha”.
“Como três pratos cheios e ainda quero mais”, diz ele,
deixando para trás os tempos de alimentação difícil, que o obrigaram a
passar quatro meses na UTI só para ganhar peso.
“O Gustavo nasceu com 790 gramas, após seis meses de
gestação e eu não conseguia acreditar que ele sobreviveria”, lembra a
mãe Eliane da Silva Martins, 40 anos.
“Eu ficava ao lado do leito da UTI rezando para ele
engordar. Todo dia era uma vitória. Hoje, ele frequenta a escola, não
tem nenhum problema cognitivo e, meu Deus, como é arteiro”, reclama e
comemora – simultaneamente – Eliane.
Até o terceiro ano de vida, Gustavo voltava a cada dois
meses para ser avaliado pela equipe. Hoje, as consultas têm espaçamento
de um semestre. O monitoramento dos outros prematuros é definido de
acordo com o desenvolvimento de cada criança.
“E quando elas desaparecem, mudam de casa, nossas
assistentes sociais fazem a busca e reforçam a importância da
participação no projeto”, contou Kopelman.
Pesquisa
Além dos atendimentos clínicos e sociais, também é
responsabilidade da equipe do programa da Unifesp fazer pesquisas sobre o
desenvolvimento, os tratamentos mais efetivos e as condutas mais
exitosas com os prematuros.
Isso porque o número de nascidos antes do tempo está em
ascensão. O novo relatório do MInistério da Saúde mostra que em 10 anos
– entre 2000 e 2010, eles passaram de 6,7% do total de nascimentos para
7,1%. Em São Paulo, informa a Fundação Seade, os prematuros já são 9%.
As explicações para esse crescimento são o aumento da
idade materna, a proliferação dos tratamentos de fertilização assistida e
também os próprios avanços da medicina que garantiram a sobrevivência
das crianças muito pequenas e a realização dos partos de gestantes de
alto risco.
“Mas ainda temos muitos desafios. Os prematuros somam 40%
das crianças que não sobrevivem até completar 5 anos”, afirma Ana Lucia
Goulart, chefe da Disciplina de Pediatria Neonatal da Escola Paulista
de Medicina.
Gustavo é um dos sobreviventes. Por meio desta vigília
médica, aos 4 anos, começou a usar próteses na perna esquerda, que
crescia em desvantagem com relação à direita. Deu certo.
Os pés do menino – assim como o de Eduarda, os pés dele
nasceram com apenas 4 centímentros – hoje calçam tênis tamanho 24,
compatível à idade.
“E pulam na cama, sobem e descem escada correndo, jogam futebol”, descreve, com orgulho, a mãe Eliane.
Bebês prematuros: entre 23 e 26 semanas, a decisão cabe a médicos, pais e políticas hospitalares
No meu primeiro dia como residente de Pediatria do Centro
Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, fui designado para a unidade de
terapia intensiva neonatal. Fiquei impressionado com o lugar. Três (ou,
como viria a descobrir mais tarde, quatro) salas grandes estavam
repletas de incubadoras transparentes de plástico. Dentro de cada uma
delas havia um bebê. Muitos deles eram extremamente prematuros.
Alguns eram pequenos o suficiente para caber na palma da
minha mão e pesavam menos de um quilo. Seu tórax pequenino se elevava a
cada batimento cardíaco. Sua pele era fina como papel. Um aparelho de
ventilação mecânica respirava por eles; cateteres intravenosos viajavam
pelo corpo de cada um, para alimentá-los; eletrônicos sensíveis
monitoravam cada mudança, mesmo que sutil, em seus sinais vitais.
As unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) são um
triunfo do investimento da medicina moderna em tecnologia, medicamentos e
conhecimento. Elas existem para concluir o trabalho iniciado pela
natureza, já que 500 mil vezes por ano – mais do que em qualquer outro
lugar no mundo industrializado – um bebê norte-americano nasce
prematuramente. Nos casos mais precários, a criança nasce à margem da
vida: em algum momento entre 23 e 26 semanas de gestação, ou no que é
chamado de limite de viabilidade.
“
Na década de 1960, quando surgiram as primeiras UTINs, os bebês
prematuros corriam um risco de 95 por cento de morrer. Hoje, têm 95 por
cento de chance de sobreviver.
Esse limite mudou radicalmente ao longo do último meio
século. Na década de 1960, quando surgiram as primeiras UTINs, os bebês
prematuros corriam um risco de 95 por cento de morrer. Hoje, têm 95 por
cento de chance de sobreviver. Isso, nas palavras de um neonatologista, o
Dr. Nicholas Nelson, mudou o modo como enxergamos os bebês prematuros,
como "um paciente a ser atendido, ao invés de um objeto do qual sentir
pena".
Estamos hoje diante de uma escolha difícil, não muito
diferente daquela enfrentada pelos médicos que cuidam de adultos que se
aproximam do fim da vida: saber por quem lutar e quem devemos deixar
partir. A decisão diz muito sobre como passamos a olhar para o menor e
mais frágil dos pacientes.
Salvar vidas tão jovens assim não é benigno.
Sobreviventes da prematuridade extrema têm complicações frequentes, e
muitas vezes graves, durante o tempo que passam na UTIN. No pior dos
casos, essas crianças sofrerão de deficiências para o resto da vida:
paralisia cerebral; deficiência visual grave, que óculos de lentes
grossas e cirurgia ocular podem corrigir apenas parcialmente; pulmões
marcados que só os deixarão dependentes de tanques de oxigênio;
problemas intelectuais e comportamentais que os colocam bem atrás de
seus pares. Getty Images
Prematuro em incubadora: embora índice de sobrevivência seja alto, sequelas podem ser graves
Chances de sobrevivência
Em parte porque as perspectivas dessas crianças podem ser
tão obscuras, a Academia Americana de Pediatria sugere não ressuscitar
bebês nascidos antes de 23 semanas, enquanto que os bebês nascidos após
26 semanas geralmente são ressuscitados.
Entre 23 e 26 semanas os riscos continuam altos, mas a
chance de sobrevivência fica mais alta a cada semana. Esse grupo de
bebês é descrito pela organização pediátrica como uma zona cinzenta, e
os médicos e os pais devem tomar uma decisão difícil quanto à
possibilidade de tentar ressuscitar um bebê sem saber ao certo o que vai
ocorrer.
As circunstâncias raramente são ideais. Os
neonatologistas entram no quarto de um paciente, dia ou noite, em meio à
intensa atividade de obstetras e enfermeiros que tentam dar conta do
trabalho. É um momento de emoção, tensão e incerteza que não contribui
para uma discussão ou reflexão detalhada. Não surpreende, então, que
essas decisões de vida ou morte sejam tomadas de forma inconsistente.
Em uma pesquisa de 2005, pesquisadores da Universidade
McGill, em Montréal, entrevistaram 165 residentes pediátricos e
obstétricos em quatro centros médicos de Québec sobre a ressuscitação de
bebês nascidos entre 23 e 26 semanas. Alguns residentes, descobriram os
pesquisadores, trabalhavam em hospitais que tinham uma cultura
agressiva de ressuscitação. Outras instituições adotavam abordagens
menos agressivas: mesmo com 26 semanas, quando a chance de sobrevivência
de um bebê prematuro é maior do que 70 por cento, os residentes desses
centros médicos indicaram que tentariam a ressuscitação apenas por cerca
de metade do tempo. Os pediatras dos EUA também têm abordagens
altamente variáveis da ressuscitação de bebês prematuros, sugerem
estudos. A opção dos pais
Os pais sustentam uma ética muito mais consistente. Um
estudo feito em 2001 por pesquisadores da Universidade McMaster, em
Ontário, mostrou que uma maioria significativa acredita que o correto é
tentar salvar todos os bebês, independentemente da condição ou peso com
que nascem. Apenas 6 por cento dos profissionais de saúde disseram o
mesmo. Estudos mais antigos realizados nos EUA sugeriram que os pais
americanos concordam com os canadenses.
“
"Costumava-se pensar que a paralisia cerebral era sempre culpa de
Deus". Agora, aproximadamente metade dos casos são culpa nossa,
escreveram eles, e "é difícil conviver com isso".
Por que existe essa lacuna entre os pais e alguns
médicos, mesmo quando a tecnologia médica torna possível salvar um
número cada vez maior de bebês prematuros? Talvez os médicos que estão
relutantes em intervir a todo custo estejam bastante familiarizados com
as possíveis consequências – e cautelosos em relação a elas. Como
colocaram dois neonatologistas, o Dr. William Meadow e o Dr. John
Lantos: "Costumava-se pensar que a paralisia cerebral era sempre culpa
de Deus". Agora, aproximadamente metade dos casos são culpa nossa,
escreveram eles, e "é difícil conviver com isso".
Além disso, muitos médicos se deram conta de que o
calvário da ressuscitação não se limita aos bebês. A UTIN também é
extremamente difícil para os pais. Getty Images
Prematuro passa por ressuscitação: associação americana sugere não ressuscitar bebês nascidos antes de 23 semanas
Mãe e médica
Em 2005, a Dra. Annie Janvier, neonatologista de Montréal
que investiga a tomada de decisões em circunstâncias médicas incertas,
tinha pouco mais de 23 semanas de gravidez quando entrou em trabalho de
parto. Ela deu à luz no hospital onde trabalhava como neonatologista.
"Meu bebê estava na categoria 'opcional', e nós tivemos que tomar uma
decisão", lembrou.
A equipe teve de tomar as medidas necessárias. A
garotinha, a quem deram o nome de Violette, foi direto para a UTIN. Ela
passaria por um caminho cheio de percalços, chegando a ficar tão doente
em um determinado ponto que Annie e seu marido decidiram recusar o
tratamento. A menina se recuperava e, em seguida, quase sucumbia a uma
infecção.
Tudo isso teve um impacto profundo sobre a mãe – mas não
do tipo que esperaríamos. "Eu detestava visitar a unidade de terapia
intensiva neonatal quando ela estava instável", escreveu ela em um
ensaio sobre as primeiras semanas de Violette. "Eu odiava ser
incentivada a participar do atendimento prestado a ela."
Não se conectar com muita força a um recém-nascido
prematuro ou doente pode ser um mecanismo de proteção para os pais,
acredita a mãe hoje. Afinal, durante a maior parte da história humana,
os bebês prematuros simplesmente morriam. Mas na medicina moderna, com a
expectativa de que todo bebê tem uma chance de lutar pela vida, surge
uma nova relação com essas crianças – hoje pacientes, não objetos – que
ainda estamos nos esforçando para confrontar.
Os médicos podem escolher a mesma abordagem. O que me
pareceu, como residente, foi que os ocupantes dessas pequenas
incubadoras eram mais fetos do que bebês, um sendo permutável pelo
outro. Nós nem sequer lhes dávamos nomes, apenas um número no
prontuário, ou nos referíamos a eles pelo gênero – como "bebezinha", por
exemplo. Era mais fácil monitorá-los quando seus pais não estavam lá.
Bastava ter os números a serem observados naquela noite, fazer um exame
rápido e seguir em frente. Tudo isso me ajudou a ter um certo
desprendimento.
Muitos estudos mostram que a grande maioria dos bebês que
nascem extremamente prematuros passa a viver uma vida satisfatória e
produtiva. Violette deixou a UTI neonatal quando tinha 4 meses de idade.
Hoje é uma menina feliz, saudável. Ainda assim, quando o fim da vida
está tão perto de seu início, não existem dias fáceis na neonatologia.
Os médicos fazem o melhor que podem sob tremenda pressão, sofrendo de
uma enorme incerteza emocional e clínica. Trata-se de um lembrete de
que, apesar do fato de termos a melhor tecnologia possível nas UTINs, a
medicina continua a ser um esforço fundamentalmente humano – e,
portanto, imperfeito. * Rahul K. Parikh é pediatra em Walnut Creek, Califórnia, e escreve para a revista on-line Salon.com
De acordo com o relatório da Organização da Mundial (OMS), a cada ano, nascem aproximadamente 15 milhões de bebês prematuros Foto: Shutterstock/Especial para Terra
Prematuridade é umas das grandes preocupações de uma gestação.
De acordo com o relatório da Organização da Mundial (OMS) Born Too Soon: The global action report on preterm birth (na tradução livre, Nascido Cedo Demais: O relatório de ação global sobre o nascimento prematuro),
a cada ano nascem aproximadamente 15 milhões de bebês prematuros em
todo o mundo. No Brasil, são cerca de 280 mil, segundo o documento.
As principais causas de partos prematuros são gravidez múltipla,
incompetência istmocervical (quando a gestante apresenta dilatação do
colo do útero já nos primeiros meses de gestação) e infecções (de urina,
bucais, resfriados), revela Silvana Chedid, especialista em reprodução
humana e diretora do Instituto Valenciano de Infertilidade, de São
Paulo. "Existem também mulheres que têm parto prematuro, mas que a
medicina não sabe como explicar o motivo do fenômeno", afirma.
Um parto é considerado prematuro quando ele acontece antes de a gestação
completar 37 semanas. "Os bebês prematuros extremos são aqueles que
nascem antes de a gravidez completar 30 semanas", explica a médica.
"Habitualmente, dependendo da qualidade da maternidade, bebês com cerca
de 500 gramas de peso conseguem sobreviver. Mas as condições do hospital
são cruciais para o quadro do recém-nascido", alerta.
Gravidez múltipla
As gestantes que estão esperando mais de um bebê correm um risco muito
maior de ter um parto prematuro. Por conta do peso, o colo do útero
sofre muita pressão, o que pode acabar resultando em nascimentos antes
do momento adequado.
Segundo Silvana, a indicação geral para todas as grávidas de gêmeos é
repouso. Sem muito esforço físico, a pressão no útero fica um pouco mais
branda. Em casos mais específicos, o obstetra pode receitar medicações.
Incompetência istmocervical
A incompetência istmocervical é a dilatação do colo do útero nos
primeiros meses da gestação. "O normal é que a dilatação apareça
momentos antes do parto, próximo da 40ª semana de gestação. Por conta
disso, as mulheres que são portadoras desse distúrbio podem ter o bebê
antes do tempo", esclarece Silvana.
O problema pode ser solucionado com uma cirurgia chamada de cerclagem.
Na operação, que será feita durante a gravidez, o médico vai dar um
ponto em volta do colo do útero e deixará o local fechado até o dia do
parto. A dilatação precoce, na maioria das vezes, é detectada no
decorrer das consultas de pré-natal.
De acordo com a médica, uma das principais causas de incompetência de
istmocervical é o aborto feito sem o devido acompanhamento médico. "O
aborto provocado, feito em locais clandestinos, por profissionais que
atuam na ilegalidade, pode acabar dilatando o colo de útero de maneira
muito agressiva. Posteriormente, quando essa mulher decide engravidar,
ela pode desenvolver esse problema", esclarece Silvana.
Infecções
Qualquer tipo de infecção durante a gestação pode trazer riscos de parto
prematuro. O acúmulo das bactérias circulando no organismo pode
estimular as contrações uterinas.
Nesses casos, as infecções devem ser tratadas. Mesmo que o tratamento
seja feito com outro especialista, o obstetra tem que estar ciente de
todas as medicações que a paciente está tomando. O tratamento diminui as
chances de ocorrer um nascimento antes do tempo.
Foto: Arquivo pessoal
A bebê Carolina, que nasceu com 360 gramas
Carolina nasceu prematuramente após 25 semanas de gestação
em novembro e teve alta nesta quarta-feira; ela é considerada um dos
menores bebês do Brasil
Denise Motta, iG Minas Gerais |
Carolina nasceu em 16 de novembro do ano passado com
apenas 360 gramas e 27 centímetros, após 25 semanas de gestação. A
fragilidade do bebê não impediu que ela lutasse para sobreviver e, nesta
quarta-feira (02), Carolina recebeu alta médica.
Sua saída do hospital foi comemorada pelos pais, Alexandra Terzis e
Thiago Fernandes. A mãe conversou com jornalistas pouco antes de levar a
filha para casa e confessou que a cada 10 gramas a mais no peso da
pequena Carolina, comemorava como se fosse um quilo. A bebê deixou o
hospital com 3,3 quilos e 47 centímetros.
Logo após nascimento, a pequena Carolina foi levada à Unidade de
Tratamento Intensiva (UTI) de um hospital na Região Metropolitana de
Belo Horizonte, em Nova Lima. Ela seria um dos menores bebês já nascidos
no Brasil e no mundo, conforme aponta a literatura médica.
Alexandra teve complicações durante a gravidez, o que teria
facilitado um parto prematuro. Com 25 semanas de gestação, ela
apresentou eclâmpsia, uma complicação gerada por hipertensão e
caracterizada por convulsões. Com riscos em uma nova gravidez, Alexandra
pretende adotar uma criança para fazer companhia à Carolina, a quem
chama carinhosamente de Carol, “um presente de Deus”.
O menor bebê do mundo que se tem notícia nasceu em Miami, com 280
gramas, após 22 semanas de gestação. O menor bebê do Brasil, antes de
Carolina, era Arthur Carvalho da Costa, que nasceu com 385 gramas e 23
centímetros, após 25 semanas.
Bebês com baixo peso e altos custos com
internamento estão entre os efeitos da taxa crescente de crianças
nascidas antes da hora no Brasil
Enquanto
a taxa de natalidade cai ano a ano, a proporção de bebês nascidos antes
da hora só aumenta no Brasil. De 2001 a 2010, o número absoluto de
nascimentos teve queda de 8,2%, passando de 3,1 milhões para 2,8
milhões. No mesmo período, o porcentual de prematuros foi de 6,3% para
7,1% do total – o equivalente a quase 205 mil bebês em 2010, na sua
maioria com baixo peso e outras complicações. Além dos problemas de
saúde que obrigam as crianças a ficar meses internadas, as famílias
enfrentam o desgaste emocional e os altos custos dos tratamentos.
O
Ministério da Saúde não tem dados de quanto custa tratar um bebê
prematuro, mas informa que paga ao menos R$ 478,72 por uma diária em
UTI. Esse valor pode ser multiplicado por quase dez se forem computados
outros gastos, como medicamentos e alimentação especial. Segundo
maternidades de Curitiba, uma diária pode chegar a R$ 4 mil, dependendo
do grau de comprometimento do recém-nascido.
De acordo com o Ministério da Saúde, não existem no Brasil estudos
que determinem as causas para o crescimento da prematuridade. Mas
fatores como a preferência pela cesariana, o crescimento das gestações
múltiplas e o adiamento da maternidade estão entre as possíveis
explicações.
O Brasil tem uma das maiores taxas de cesáreas do mundo. 45% dos
partos são cirúrgicos, enquanto a Organização Mundial da Saúde
estabelece o limite de 15%. O quadro piora quando se considera gestantes
com melhores condições financeiras: entre as que têm plano de saúde, a
proporção de cesarianas sobe para 90%. “Quando é programada com semanas
de antecedência, a cesariana pode aumentar a chance de nascimento
prematuro. Há casos de indicação médica para esse tipo de procedimento,
mas nos demais o ideal é o parto normal, que desencadeia uma série de
alterações hormonais necessárias à preparação da criança para o parto”,
explica o médico Nelson Arns, doutor em Saúde Pública.
Gestações múltiplas
O porcentual de gestações múltiplas cresceu 17% no país em sete anos. Segundo a Pesquisa Registro Civil
2010, do IBGE, a proporção de brasileiros nascidos nesse tipo de parto
passou de 1,59% para 1,86% do total entre 2003 e 2010, o que significa
que apenas em 2010 nasceram cerca de 50 mil gêmeos, trigêmeos e
quadrigêmeos (3 mil no Paraná).
A ginecologista Francieli Maria Vigo, pós-graduanda em Reprodução
pela Universidade Federal de São Paulo, diz que as chances de parto
prematuro são três ou quatro vezes maiores em gestações múltiplas.
“Depende do número de fetos e das condições de saúde da mãe. Quanto mais
bebês e quanto mais delicado o quadro da mãe, maiores as chances de
parto prematuro.”
Nelson Arns, coordenador nacional da Pastoral da Criança, destaca
também a idade materna como outro fator importante. “Um estudo feito na
Dinamarca comprovou que o risco de parto prematuro é maior entre mães
muito jovens e entre as que optam por ter filho mais tarde.”
Para ele, no caso das mães mais jovens pesa o fator econômico.
“Geralmente meninas pobres têm filhos antes da hora. Elas não têm acesso
ao pré-natal de qualidade e não previnem ou tratam doenças, como a
infecção urinária, que antecipam o nascimento do bebê.” Com relação às
mães mais maduras, ele acha que elas precisariam ser devidamente
informadas que estão mais sujeitas ao parto prematuro e a todas as
consequências dessa escolha.
Nelson Arns alerta ainda para o fato de muitas mulheres deixarem de
fazer exames de sangue durante a gestação, mas não abrirem mão da
ecografia. “No Brasil se faz mais ecografia do que exame de sangue. Esse
comportamento precisa mudar, pois a primeira serve apenas para
satisfazer uma curiosidade sobre o sexo do bebê, enquanto os exames de
sangue podem identificar e ajudar no tratamento de várias doenças.”
Boom de gestação de gêmeos pode ser freado no país
A preocupação com o avanço das gestações múltiplas é mundial. E como
há a associação direta entre o maior número de partos gemelares e as
técnicas de reprodução assistida, alguns países estabeleceram regras
rígidas para os processos de fertilização in vitro.
É o caso da Finlândia, que só faz o implante de um embrião por
procedimento. Lá os tratamentos são patrocinados pelo governo, que
prefere pagar os custos de várias tentativas para uma mulher engravidar
do que arcar com os efeitos indesejados de gestações múltiplas,
especialmente o nascimento de prematuros.
“No Brasil não temos mais do que cinco centros públicos de reprodução
assistida. Eles não respondem nem por 5% dos procedimentos realizados
todos os anos, que giram na casa dos 50 ou 60 mil. E como os custos são
altos – uma fertilização in vitro pode chegar a R$ 18 mil –, os casais
buscam maiores chances de sucesso e optam pela implantação de mais de um
embrião”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução
Assistida, Adelino Amaral.
Mas aqui as regras também estão se tornando mais rígidas e há a
expectativa de que nos próximos anos o país reverta a tendência de
elevação das gestações múltiplas, como reflexo da resolução 1.957/2010,
do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ela limita o número de embriões
implantados por procedimento: dois para mulheres com menos de 35 anos;
três, para quem tem até 40 anos; e no máximo quatro para quem é mais
velha. Antes da mudança, mulheres com qualquer idade podiam receber até
quatro embriões.
Múltiplos
Os números do IBGE mostram que o crescimento nas gestações múltiplas
se concentra nos casos de gêmeos. Mas, mesmo sendo possível para
mulheres de qualquer idade implantar ao menos dois embriões, o médico
Renato Fraietta, coordenador do Centro de Reprodução Assistida da
Universidade Federal de São Paulo, diz que a resolução do CFM vai
impactar nas gestações de gêmeos. “Quando implantamos quatro embriões,
dificilmente todos se desenvolvem. Agora, com dois embriões, ainda
teremos gêmeos, mas será mais comum o desenvolvimento de apenas um
bebê.”
Já há relatos de queda nos casos de gestações gemelares, pois, antes
mesmo da resolução do CFM, os médicos sentiram a necessidade de reduzir o
número de embriões implantados. “O médico tem conhecimento de todas as
complicações dos partos múltiplos e o dever de orientar o casal. É
bonito ver dois, três ou até quatro bebês juntos, mas há muitas
implicações que precisam ser consideradas”, diz o obstetra Hélcio
Bertozzi Soares, da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho
Regional de Medicina.