quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Gagueira é problema neurológico


Fluxo da fala pode ser restabelecido se o problema for identificado e tratado precocemente

Chris Bertelli, iG São Paulo | 16/02/2011 10:48


Foto: Divulgação
A hora do discurso apavorava o rei George VI
“Se é difícil para um rei, imagine para um plebeu.” Foi assim que Paulo Amaro resumiu as dificuldades de quem gagueja, logo depois de assistir o filme “O discurso do Rei”, que conta a história de superação do rei George 6º, que sofria de gagueira.
Além de enfrentar a dificuldade para se expressar diariamente, ele também precisa lidar com o preconceito, as piadas e a falta de informação.
“Pouca gente sabe que esse é um problema neurológico”, afirma a fonoaudióloga Ignês Maia Ribeiro, presidente do Instituto Brasileiro da Fluência (IBF).
A gagueira é um distúrbio da fala em que os sons, as sílabas e as palavras são repetidas ou prolongadas, interrompendo o fluxo do discurso.
“A pessoa consegue iniciar a palavra, mas fica 'presa' em algum som ou sílaba até que o cérebro consiga gerar o comando necessário para dar prosseguimento ao restante da palavra”, explica a fonoaudióloga Clara Rocha, do Grupo Microsom, especializados em produtos para os distúrbios da fala.
A incidência é maior dos 2 aos 4 anos, quando atinge cerca de 5% da população brasileira. Acima dessa idade, no entanto, o índice cai para 1% e tem uma prevalência maior entre os meninos, na proporção de quatro para uma menina.
Ainda não se conhece exatamente qual o mecanismo que leva à gagueira. Mas com a evolução dos exames de imagem e da neurociência hoje já se sabe que os gagos têm diferentes áreas do cérebro mais ou menos ativadas do que a pessoa de fala fluente.
“Muitos cientistas acreditam que a dificuldade se encontra exatamente no ato de falar. Muitos gagos são capazes de recitar poemas e cantar com relativa facilidade, mas uma conversa normal pode ser um exercício penoso e frustrante”, relata Ignes. A médica explica que durante a linguagem espontânea a região ativada no cérebro é diferente da ativada durante a leitura, o canto ou a declamação. Por isso, é possível que uma pessoa gagueje ao falar, mas não ao cantar, ou a realizar outras atividades.

Traumas de infância

Até pouco tempo, acreditava-se que a gagueira era resultado de algum distúrbio psicológico, já que, em geral, o problema piora em momentos de ansiedade e estresse. “Esses sentimentos podem funcionar como precipitadores da gagueira, mas não são causadores. Só o lado emocional nãoé suficiente para desencadeá-la”, afirma Ignês. De acordo com a fonoaudióloga, os problemas emocionais podem estar associados à perda do fluxo da fala, mas quem responde por dois terços dos casos em todo o mundo é, na verdade, a genética.
“A pessoa nasce com o gene que predispõe à gagueira, que pode ou não se manifestar”, afirma Clara Rocha.
Não tem graça, tem tratamento
A gagueira não tem cura, mas o fluxo de linguagem pode ser restabelecido se a criança for atendida assim que o problema aparecer. “Quatro por cento das crianças que apresentam gagueira conseguem melhorar a fala se procurarem um especialista até um ano do surgimento do sintoma”, afirma Ignês. “O que temos de melhor nesses casos é o atendimento precoce”, completa. Nos adultos, a retomada da fluência é mais difícil, mas a melhora é significativa.
Bem diferente do que é sugerido no filme, o tratamento vai além do exercício da oratória e dependerá de uma avaliação caso a caso. O atendimento deve ser feito por um profissional especializado em distúrbios da fala.
Contra o preconceito
“O desconhecimento da população leva ao preconceito e à gozação”, afirma Ignes. Para ela, além do filme, a presença de Diogo no Big Brother Brasil 11 traz o assunto à tona, ajudando a disseminar informações e a lidar melhor com o problema.
Para não escorregar no desrespeito, a fonoaudióloga dá dicas:
- Não complete o final da frase ou da palavra. Soa como uma reafirmação de que a pessoa não consegue se expressar
- Não diga coisas como “calma” ou “respire fundo”. Frases assim só aumentam o nervosismo e a gagueira tende a piorar
- Dê tempo à pessoa para se expressar. O gago só precisa de um pouco mais de tempo
- Incentive-o conversando. A tendência é a pessoa se isolar. Tentar incluí-lo na conversa é interessante e educado
- Não force-o a falar em público. A gagueira pode piorar em situações de estresse e pressão

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