quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Ameaças poderosas

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Vírus e bactérias exigem atenção pela rapidez com que se reproduzem e a alta capacidade de sofrerem mutações genéticas, o que facilmente podem torná-los mortais e gerar sérias epidemias
Publicado em 14/09/2011 | RAFAELA BORTOLIN

Duas ameaças de epidemias rondaram a Europa e deixaram o restante do mundo em alerta, no começo de junho. Primeiro, houve um surto de infecções causadas pela Escherichia coli (conhecida pela abreviatura E. coli), uma bactéria que vive no intestino dos seres humanos, mas que, pela primeira vez na história, gerou uma série de complicações à saúde. Depois, foi a vez de uma epidemia de sarampo, uma doença causada por um vírus, bastante conhecida e até então controlada, mas que voltou a dar sinais principalmente na França.

Aparentemente distantes, os dois episódios têm muito em comum: são a prova de que doenças do passado podem voltar a qualquer momento e que micro-organismos, até então inofensivos, podem se tornar agentes mortais. A causa disso? “Bactérias e vírus se reproduzem com uma rapidez incrível e parte deles tem grande capacidade de sofrer mutações genéticas, se tornando mais fortes e resistentes”, explica a médica do Centro de Epidemio­logia da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Marion Burger. É por isso que, a qualquer momento, dizem os especialistas, uma situação normal pode se tornar extremamente perigosa e uma doença, que estava controlada, pode ressurgir.
Processo
Incubação
Bactérias e vírus não morrem?
Bactérias e vírus podem ficar inativos por algum tempo até se manifestarem. Nestas condições, eles ficam em hospedeiros à espera de situações favoráveis para se reproduzirem e infectarem principalmente pessoas e animais. “Eles não somem na natureza, mas ficam incubados nas células das pessoas, sem trazer sintomas, em animais, outros seres vivos, na água ou no ar, onde vão se proliferando e trocando informações genéticas com outros micro-organismos até descobrirem um ambiente propício para atacar”, explica o professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) João Adriano de Barros.
Prova disso é que pesquisas mostram que cerca de 2 bilhões de pessoas têm a bactéria da tuberculose no organismo, mas poucas apresentam sintomas da doença. “A maioria mantém a infecção inaparente, mas basta uma baixa na imunidade para que o bacilo comece a se reproduzir e as primeiras complicações da tuberculose apareçam”, diz a médica do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Marion Burger.
De maneira parecida, o vírus influenza tem como habitat natural o organismo das aves. “Tanto que os pesquisadores costumam prestar atenção nelas para prever se haverá algum surto de gripe. Quando começam a acontecer mortes de aves em alguma região, rapidamente se fazem testes para descobrir se não foram causadas por uma mutação do vírus que possa ser perigosa para os humanos.”
Pesquisa
Tratamento vira desafio
As mutações no código genético de vírus e bactérias, que facilitam o aparecimento de surtos de doenças, também se mostram um desafio para os cientistas na hora de desenvolver vacinas. “A vacina da gripe, por exemplo, combate três vírus específicos que os pesquisadores acreditaram que, naquele momento, eram os mais perigosos. Pode ser que eles acertem e a vacina seja eficaz, ou outros vírus apareçam e a vacina não os afete”, explica o professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) João Adriano de Barros. A lógica é diferente com doenças como o sarampo, causada por um vírus que sofre poucas mutações. “Ele é transmitido a partir das vias aéreas. Como a vacinação evita a manifestação de sintomas, ela impede que o paciente contamine outras pessoas”, diz a professora de paleo­parasitologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniela Leles.
Linha do tempo
Veja os principais surtos de doenças infecciosas registrados na história:
Século 14 – Peste negra (ou bubônica). Matou cerca de 75 milhões de pessoas, quase 1/3 da população da Europa na época. Causada por uma bactéria presente nas pulgas de ratos, matava em menos de uma semana. Acredita-se que a doença se disseminou rapidamente pela falta de opções de tratamento e pelas precárias medidas de higiene e saneamento básico da época.
Fim do século 19 e começo do século 20 –Tuberculose. Não havia vacinas e tratamentos contra a doença. Em geral, apenas recomendava-se que os pacientes fossem viver em hospitais especiais ou em casas de campo. Fez vítimas famosas como o músico Noel Rosa, o poeta Castro Alves e os escritores George Orwell e José de Alencar.
1918 e 1919 – Gripe espanhola. Causada por uma mutação do vírus da gripe do subtipo H1N1. Ao contrário do que o nome sugere, o surto teve seus primeiros registros em território francês. Tornou-se uma pandemia, que matou entre 20 milhões e 50 milhões pessoas.
2005 – Gripe Aviária. Foi registrada pela primeira vez no começo do século 20, mas o surto ocorreu apenas em 2005. Causada pela mutação H5N1 do vírus Influenza, foi descoberta a partir da morte de pessoas que lidavam com aves e manifestaram sintomas fortes de gripe.
2009 – Gripe A (H1N1).Inicialmente detectada no México, ficou conhecida como gripe suína. É causada por uma alteração genética no vírus influenza, subtipo H1N1 (o mesmo da gripe espanhola). Trata-se de uma cepa que reúne características das gripes humana, aviária e suína. A doença gerou cerca de 18 mil mortes em um ano, segundo a OMS.
Essas mutações geralmente acontecem a partir do contato dos vírus e bactérias com outros micro-organismos, células de animais ou elementos do ambiente. “É um mecanismo interessante porque eles facilmente trocam informações genéticas entre si e com outros organismos. Quando uma bactéria tem um gene de produção de toxinas ou resistente a antibióticos, logo transmite para as demais, e isso vai fortalecendo o mecanismo de ação delas”, explica Marion.
O vírus H5N1, por exemplo, responsável pela gripe aviária, é uma mutação do vírus influenza (causador da gripe), a partir do contato com material genético de aves. Já a gripe A surgiu de uma mutação do H1N1 combinada com material de genético de células humanas, de aves e de suínos.
E é justamente por causa dessas variações genéticas que estes vírus são tão ameaçadores e podem levar a epidemias. “Por serem diferentes, cada vírus da gripe é um agressor novo e, portanto, desconhecido para o organismo. Então, leva algum tempo atéo corpo se organizar para combatê-lo. Enquanto isso, a pessoa fica indefesa e vai contaminando outras, que igualmente não são imunes à doença. Essa propagação pode ir aumentando até chegar a proporções mundiais, se não for contida.”
Doenças graves têm empurrão do ser humano
O agente responsável por aumentar a gravidade das doenças, em alguns casos, é o próprio ser humano. Compor­tamentos como tomar medicamentos sem receita médica, não seguir os tratamentos indicados pelo médico ou parar de tomar os remédios antes do tempo prescrito são oportunidades, tanto para vírus, como para bactérias, fortalecerem-se. O resultado são doenças cada vez mais graves.
O exemplo mais claro é o da tuberculose. Como o tratamento dura pelo menos seis meses, é comum os pacientes abandonarem a ingestão dos remédios a partir do segundo mês, quando os sintomas vão embora. “O problema é que, após dois meses, o medicamento só conseguiu eliminar as bactérias mais fracas. As mais fortes continuam no organismo e, pior, agora sabem qual a substância usada para combatê-las e produzem alternativas para neutralizá-la”, explica o médico pneumologista e professor do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) João Adriano de Barros.
Com isso, as bactérias se reproduzem, formam uma colônia super resistente e reativam, em algumas semanas, a doença de maneira muito mais forte do que antes e sem uma solução, já que o remédio usado torna-se ineficaz contra elas. “Pesquisas mostram que os novos bacilos da tuberculose são mais resistentes que há 20 anos. Antes, os tratamentos respondiam bem com o uso de antibióticos. Agora, a medicação tem dificuldades para afetar as bactérias.”
Para a professora de parasitologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniela Leles, este processo ressalta a importância da proibição da venda de antibióticos sem receita médica, determinada pelo Ministério da Saúde no início do ano, e mostra por que as pessoas não devem se auto-medicar ou ingerir medicamentos sem necessidade.
“Às vezes, ela ingere um antibiótico para combater uma doença viral ou somente um anti-inflamatório para amenizar sintomas de um problema causado por bactérias, o que não elimina os agentes e ainda fortalece sua atuação.”
Contaminação na era da globalização
Os problemas de saúde de hoje são semelhantes aos do passado. A diferença está na eficiência das ações de prevenção e tratamento, diz a médica do Centro de Epi­demiologia da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, Marion Burger. “Basta comparar o H1N1 e a gripe espanhola. Tivemos uma detecção relativamente rápida [da nova gripe], os pontos de risco foram isolados e o tratamento foi disponibilizado em todo o mundo. A doença foi controlada e tivemos menos mortes.” Por outro lado, com um mundo cada vez mais interligado, a tendência é as doenças se espalhem mais facilmente. “Uma pessoa pode ir à Eu­ropa, contaminar-se, voltar ao Brasil e só ter os sintomas em casa.”
Para o médico João Adriano de Barros, hoje, as pessoas têm mais conhecimento sobre as doenças, o que facilita a prevenção, mas alguns hábitos as tornam mais sucetíveis. “Prezamos mais pela higiene e temos acesso facilitado a vacinas e medicamentos, mas somos mais obesos, sedentários e estressados. Além disso, temos tratamentos que diminuem a imunidade, como a quimioterapia e transplante de órgãos.”
Publicação Original em: 
http://www.gazetadopovo.com.br/saude/conteudo.phtml?tl=1&id=1168982&tit=Ameacas-poderosas

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