segunda-feira, 23 de abril de 2012

A vida secreta das mães de UTIs

Bebês com baixo peso e altos custos com internamento estão entre os efeitos da taxa crescente de crianças nascidas antes da hora no Brasil
Enquanto a taxa de natalidade cai ano a ano, a proporção de bebês nascidos antes da hora só aumenta no Brasil. De 2001 a 2010, o número absoluto de nascimentos teve queda de 8,2%, passando de 3,1 milhões para 2,8 milhões. No mesmo período, o porcentual de prematuros foi de 6,3% para 7,1% do total – o equivalente a quase 205 mil bebês em 2010, na sua maioria com baixo peso e outras complicações. Além dos problemas de saúde que obrigam as crianças a ficar meses internadas, as famílias enfrentam o desgaste emocional e os altos custos dos tratamentos.
O Ministério da Saúde não tem dados de quanto custa tratar um bebê prematuro, mas informa que paga ao menos R$ 478,72 por uma diária em UTI. Esse valor pode ser multiplicado por quase dez se forem computados outros gastos, como medicamentos e alimentação especial. Segundo maternidades de Curitiba, uma diária pode chegar a R$ 4 mil, dependendo do grau de comprometimento do recém-nascido.
De acordo com o Ministério da Saúde, não existem no Brasil estudos que determinem as causas para o crescimento da prematuridade. Mas fatores como a preferência pela cesariana, o crescimento das gestações múltiplas e o adiamento da maternidade estão entre as possíveis explicações.
O Brasil tem uma das maiores taxas de cesáreas do mundo. 45% dos partos são cirúrgicos, enquanto a Organização Mundial da Saúde estabelece o limite de 15%. O quadro piora quando se considera gestantes com melhores condições financeiras: entre as que têm plano de saúde, a proporção de cesarianas sobe para 90%. “Quando é programada com semanas de antecedência, a cesariana pode aumentar a chance de nascimento prematuro. Há casos de indicação médica para esse tipo de procedimento, mas nos demais o ideal é o parto normal, que desencadeia uma série de alterações hormonais necessárias à preparação da criança para o parto”, explica o médico Nelson Arns, doutor em Saúde Pública.

Gestações múltiplas
O porcentual de gestações múltiplas cresceu 17% no país em sete anos. Segundo a Pes­­­­­quisa Registro Civil 2010, do IBGE, a proporção de brasilei­ros nascidos nesse tipo de parto passou de 1,59% para 1,86% do total entre 2003 e 2010, o que significa que apenas em 2010 nasceram cerca de 50 mil gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos (3 mil no Paraná).
A ginecologista Francieli Maria Vigo, pós-graduanda em Reprodução pela Universidade Federal de São Paulo, diz que as chances de parto prematuro são três ou quatro vezes maiores em gestações múltiplas. “Depende do número de fetos e das condições de saúde da mãe. Quanto mais bebês e quanto mais delicado o quadro da mãe, maiores as chances de parto prematuro.”
Nelson Arns, coordenador nacional da Pastoral da Criança, destaca também a idade materna como outro fator importante. “Um estudo feito na Dinamarca comprovou que o risco de parto prematuro é maior entre mães muito jovens e entre as que optam por ter filho mais tarde.”
Para ele, no caso das mães mais jovens pesa o fator econômico. “Geralmente meninas pobres têm filhos antes da hora. Elas não têm acesso ao pré-natal de qualidade e não previnem ou tratam doenças, como a infecção urinária, que antecipam o nascimento do bebê.” Com relação às mães mais maduras, ele acha que elas precisariam ser devidamente informadas que estão mais sujeitas ao parto prematuro e a todas as consequências dessa escolha.
Nelson Arns alerta ainda para o fato de muitas mulheres deixarem de fazer exames de sangue durante a gestação, mas não abrirem mão da ecografia. “No Brasil se faz mais ecografia do que exame de sangue. Esse comportamento precisa mudar, pois a primeira serve apenas para satisfazer uma curiosidade sobre o sexo do bebê, enquanto os exames de sangue podem identificar e ajudar no tratamento de várias doenças.”

Boom de gestação de gêmeos pode ser freado no país
A preocupação com o avanço das gestações múltiplas é mundial. E como há a associação direta entre o maior número de partos gemelares e as técnicas de reprodução assistida, alguns países estabeleceram regras rígidas para os processos de fertilização in vitro.
É o caso da Finlândia, que só faz o implante de um embrião por procedimento. Lá os tratamentos são patrocinados pelo governo, que prefere pagar os custos de várias tentativas para uma mulher engravidar do que arcar com os efeitos indesejados de gestações múltiplas, especialmente o nascimento de prematuros.
“No Brasil não temos mais do que cinco centros públicos de reprodução assistida. Eles não respondem nem por 5% dos procedimentos realizados todos os anos, que giram na casa dos 50 ou 60 mil. E como os custos são altos – uma fertilização in vitro pode chegar a R$ 18 mil –, os casais buscam maiores chances de sucesso e optam pela implantação de mais de um embrião”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral.
Mas aqui as regras também estão se tornando mais rígidas e há a expectativa de que nos próximos anos o país reverta a tendência de elevação das gestações múltiplas, como reflexo da resolução 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ela limita o número de embriões implantados por procedimento: dois para mulheres com menos de 35 anos; três, para quem tem até 40 anos; e no máximo quatro para quem é mais velha. Antes da mudança, mulheres com qualquer idade podiam receber até quatro embriões.

Múltiplos
Os números do IBGE mostram que o crescimento nas gestações múltiplas se concentra nos casos de gêmeos. Mas, mesmo sendo possível para mulheres de qualquer idade implantar ao menos dois embriões, o médico Renato Fraietta, coordenador do Centro de Reprodução Assistida da Universidade Federal de São Paulo, diz que a resolução do CFM vai impactar nas gestações de gêmeos. “Quando implantamos quatro embriões, dificilmente todos se desenvolvem. Agora, com dois embriões, ainda teremos gêmeos, mas será mais comum o desenvolvimento de apenas um bebê.”
Já há relatos de queda nos casos de gestações gemelares, pois, antes mesmo da resolução do CFM, os médicos sentiram a necessidade de reduzir o número de embriões implantados. “O médico tem conhecimento de todas as complicações dos partos múltiplos e o dever de orientar o casal. É bonito ver dois, três ou até quatro bebês juntos, mas há muitas implicações que precisam ser consideradas”, diz o obstetra Hélcio Bertozzi Soares, da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Regional de Medicina.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1246951&tit=A-vida-secreta-das-maes-de-UTIs

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