segunda-feira, 4 de abril de 2011

Inclusão esbarra em capacitação

Acesso a mercado de trabalho é prejudicado por falta de educação formal. Quem entra, tem dificuldade de permanecer
Publicado em 03/04/2011 | Vanessa Prateano - Gazeta do Povo


Marcelo Elias/Gazeta do Povo
Marcelo Elias/Gazeta do Povo / Na faculdade e empregado, Cristian Oleguini acha que esforço leva à superação 
Na faculdade e empregado, Cristian Oleguini acha que esforço leva à superação

Preconceito é a primeira barreira
O caso do auxiliar de informática Cristian Oleguini, 22 anos, mostra como a lei pode mudar tudo, anos depois. Foi na faculdade, onde cursa Análise e Desenvolvimento de Sistemas, que ele soube de uma vaga na empresa de petroquímica Exxon Mobil – e que tinha direito de concorrer a ela como cotista. Ao chegar na empresa, descobriu que antes precisaria participar de uma capacitação oferecida pela companhia em parceria com a Uni­­versidade Livre Para a Eficiência Humana (Unilehu), que atua na qualificação de pessoas com deficiência. Com dez certificados na mão e um emprego que lhe dá autonomia, foi incentivado a entrar para a universidade e hoje é exemplo para os quatro irmãos que ainda não estão no ensino superior.

Em 20 anos de vigência, a Lei 8.213 conseguiu um importante avanço na sociedade brasileira: colocou a questão do portador de deficiência em evidência. Criada em julho de 1991, a Lei das Cotas obriga empresas com mais de 100 funcionários a reservar de 2% a 5% de suas vagas para empregados com deficiência. Cidadãos que de­­­­penderiam da ajuda da família, instituições ou da Previdência So­­­­cial têm a chance de exigir um em­­­­prego, garantido pela legislação.
Mas ainda há um longo trajeto até a real inclusão. O maior desafio está na educação formal. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta­­tística (IBGE), há 2,3 milhões de brasileiros de 5 a 17 anos com deficiência no país. Porém, no censo da Edu­cação Básica de 2010 havia cerca de 700 mil matrículas de alunos especiais no ensino básico. O descompasso se reflete no futuro: hoje, 79% dos deficientes têm até sete anos de estudo, segundo o IBGE.
O maior avanço foi em 2007, quando se intensificou a inclusão das crianças com deficiência no ensino regular. Hoje, a prática ainda enfrenta resistência de pais e professores, e é preciso promover a capacitação dos profissionais, ainda pouco familiarizados com as especificidades de cada deficiência. Também falta atendimento individual e multidisciplinar aos alunos com deficiência em centros especializados, através de mais investimento em capacitação de equipes de saúde e serviço social, por exemplo.
“O ensino regular está previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente e deve ser a regra, para permitir o exercício de direitos fundamentais, como o direito ao trabalho. Passamos por um período de modernização, de quebra de paradigmas. Ao mesmo tempo, no entanto, é preciso investir nessas escolas para promover de fato a integração”, diz a promotora de Justiça Rosana Bevervanço, coordenadora do Centro de Apoio à Promotoria de Justiça de Defesa das Pessoas Portadoras de Deficiência do Ministério Público do Paraná. A promotora ressalta ainda que praticamente todas as escolas públicas também não estão adaptadas para receber alunos com dificuldade de locomoção ou deficiência visual. “A escola ainda é excludente.”

Qualificação
Quem consegue terminar os estudos enfrenta a falta de capacitação. Com a criação da Lei de Cotas, várias parcerias foram firmadas entre governos e ONGs para preparar o deficiente para o mercado, mas o conteúdo ensinado ainda não atende às exigências das empresas. “O maior problema hoje é a formação inadequada [para a atividade que será desenvolvida pela pessoa com deficiência]. Os cursos ofertados ainda têm pouco valor agregado”, explica José Antônio Fares, diretor-superintende do Serviço Social da Indústria (Sesi) no Paraná.
O resultado está nos postos ocupados pelos deficientes, geralmente na linha de produção da indústria, e nos baixos salários. Dados publicados pelo Ministério do Trabalho em dezembro demonstram que, das 4.021 vagas criadas no último quadrimestre de 2010 para esse público, 90% pagavam até um salário mínimo. No mesmo período, foram extintas quase 3,5 mil vagas que pagavam entre 1 e 15 salários mínimos.
Para Fares, é preciso que as empresas invistam mais na qualificação, até para evitar a alta rotatividade entre os trabalhadores cotistas, que têm dificuldades de adaptação e para realizar o trabalho exigido. “As empresas precisam ousar mais e pensar em novas estratégias para não só cumprir a lei, mas manter o trabalhador nesse emprego. Já há iniciativas deste tipo em Curitiba, mas ainda são experiências específicas”, afirma.

Curitiba ainda é excludente
Dentre os vários elogios feitos a Curitiba na área de urbanismo, um dos que ainda não se justificam é o de cidade inclusiva. Atualmente, 114 inquéritos civis tramitam na Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência para investigar locais públicos e privados que não oferecem condições básicas de acessibilidade para quem tem mobilidade reduzida ou algum tipo de deficiência visual. Na lista estão cinemas, estádios, pontos turísticos e o próprio prédio da prefeitura.
No entanto, nenhum local é tão emblemático da cidade excludente quanto o cartão-postal de Curitiba, o calçadão da Rua XV de Novembro, símbolo do grande gargalo da acessibilidade na capital: a precariedade das calçadas. De acordo com a promotora de Justiça Terezinha Carula, o chão, feito de petit-pavê, é totalmente inadequado por ser irregular e, em dias de chuva, tornar o solo escorregadio.
Atualmente, a promotoria briga pela troca do petit-pavê por outro material, mas o problema esbarra no fato de que o calçadão é tombado e qualquer mudança é proibida. A promotora diz que investiga para ver se a calçada pode ser trocada, e que buscará o bem-estar dos deficientes em primeiro lugar. “Não é possível ficar do jeito que está. O local é inseguro para essas pessoas. Além disso, nós precisamos assegurar a acessibilidade, que permite o exercício dos direitos fundamentais.”

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