Os movimentos bimanuais, como o ato de digitar em um teclado ou abrir uma lata, são fundamentais na rotina humana, mas, até agora, os cientistas não haviam conseguido registrar a atividade cerebral responsável por eles. Em pesquisas anteriores, Nicolelis já havia criado interfaces cérebro-máquina-cérebro que permitiram a um macaco mover e sentir uma mão na tela de um computador. Mas o procedimento para fazer com que o animal mova dois membros ao mesmo tempo é mais complicado.
Segundo o cientista, a atividade cerebral responsável pelo movimento bimanual não corresponde à simples soma do movimento de ambas as mãos — ela é muito mais complexa. "Em nossa pesquisa, descobrimos que o cérebro faz a computação desse movimento de uma maneira não linear. Ou seja, não bastava somar os sinais das duas mãos", diz o Miguel Nicolelis, em entrevista ao site de VEJA. "Para desenvolver um modelo que levasse em consideração o movimento simultâneo dos dois braços, tivemos que registrar a atividade de quase 500 neurônios — o maior número analisado em qualquer estudo publicado até agora."
No novo experimento, os pesquisadores analisaram a atividade de quase 500 neurônios espalhados por diferentes áreas dos dois hemisférios cerebrais de uma dupla de macacos rhesus. Os animais foram colocados de frente a uma tela de computador, na qual podiam enxergar os braços e mãos de um avatar de macaco. A partir de um algoritmo, os cientistas transformaram a atividade elétrica captada em seus cérebros em comandos para controlar os membros virtuais.
Durante o período de treinamento, os animais foram encorajados a colocar essas mãos virtuais dentro de alvos quadrados que apareciam na tela. Depois de alguns instantes em contato com os quadrados, estes desapareciam, e surgiam dois círculos, para os quais os macacos deveriam mover novamente suas mãos. A cada vez que realizavam o movimento de maneira correta, ganhavam um gole de suco como prêmio.
Conforme o tempo passava — e os macacos aprendiam a controlar as mãos virtuais —, os cientistas observaram que o próprio cérebro dos animais estava se alterando. Segundo Nicolelis, isso confirma os resultados de um experimento anterior de sua equipe, que havia mostrado que o cérebro é capaz de integrar objetos externos à imagem que tem de seu próprio corpo. "Nesse caso, o avatar passou a fazer parte da representação de corpo criada pelo cérebro do animal. O macaco literalmente assimilou os braços artificiais como se fossem seus", diz Nicolelis.
Sem as mãos — Ao fim do estudo, os dois macacos tinham se tornado capazes de controlar de forma satisfatória o movimento conjunto das duas mãos virtuais. E eles podiam fazer isso enquanto estavam parados, sem que os movimentos na tela do computador fossem acompanhados por movimentos de suas mãos reais — usando apenas seu cérebro.
Segundo os pesquisadores, isso é importante porque um dos principais objetivos das interfaces cérebro-máquina é criar próteses ou exoesqueletos que possam restabelecer o movimento de pacientes amputados ou paralisados. Se movimentos reais fossem necessários para a operação desses equipamentos, seu próprio objetivo estaria comprometido. "Isso é muito importante para nossa pesquisa, pois essa é exatamente a estratégia de treinamento que iremos usar nas salas virtuais que construímos em Natal e em São Paulo, para o Projeto Andar de Novo", diz Nicolelis.
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