quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mielomeningocele - Para salvar seu bebê ela enfrentou uma cirurgia intrauterina

Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena A família toda reunida: Miguel está com quase 10 meses e já ensaia os primeiros passos
Não foi o choro. Nem os olhos azuis de Miguel. Logo após o parto, a cena que mais emocionou a mãe Karen Wiering, 32 anos, foi ver o filho na incubadora da UTI neonatal, com os pezinhos para cima, encostando um dedo no outro, em uma espécie de coreografia.
“Um filme passou pelos meus olhos”, lembra ela, nove meses depois, com o menino no colo, já ensaiando os primeiros passos sem ajuda do andador.
Miguel foi um dos primeiros bebês brasileiros a ser operado ainda dentro do útero materno. A cirurgia não dependeu apenas de tecnologia de ponta. Foi fruto da investigação intensa de uma mãe para que seu filho pudesse ter acesso a um procedimento que mudaria o rumo da vida da criança.
Quando Karen estava com 24 semanas de gestação do seu segundo filho, os médicos constataram, por meio de um exame de ultrassom, a presença de mielomeningocele, uma má-formação de origem desconhecida, que deixa uma probabilidade assustadora para os pais: 90% dos bebês nestes casos nascem com hidrocefalia (cabeça com excesso de líquido); a maioria tem dificuldades para andar e desempenho cognitivo (aprendizagem e memória) comprometido. Em quase todos os casos, a sobrevida não supera 20 anos.
Karen driblou todas essas probabilidades ao encontrar um procedimento médico pioneiro, testado internacionalmente havia uma década, e que acabara de sair da categoria “em teste” para virar “padrão” no Brasil na metade do ano passado.
Os neurocirugiões usaram o bisturi em Miguel sem tirá-lo totalmente do útero de Karen. Costuraram a coluna vertebral do bebê – que não estava completamente formada – o que impediu o acúmulo de líquido na região cerebral. Feito isso, o colocaram novamente no ventre materno e a gestação seguiu o curso normal até as 36 semanas.

Pioneiro
Miguel foi a segunda criança a passar pela cirurgia intrauterina no Hospital Santa Joana de São Paulo, um dos primeiros a realizar a técnica, em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no Brasil.
“Até agora, já foram realizadas 17 cirurgias, todas com bons resultados. Nenhum dos nossos operados nasceu com hidrocefalia, o que garante vida normal”, afirma Sérgio Carvalheiro, neurocirurgião pediátrico do Santa Joana e da Unifesp, que conduziu as pesquisas no País.
Para poder atender aos critérios da cirurgia dentro do útero, explica Carvalheiro, a mulher não pode estar com mais de 26 semanas de gestação e o bebê tem que pesar menos de 2,5 quilos. O procedimento precisa ser rápido – não pode passar de 20 minutos – e no ultrassom pós-cirúrgico já é possível atestar se deu tudo certo.
Sendo assim, os boletins médicos já haviam dado as boas novas para a família Wiering três dias após a cirurgia. Mas só quando os olhos da mãe e do pai, Guilherme, viram as perninhas de Miguel em pleno movimento é que a respiração e os batimentos cardíacos de ambos voltou aos padrões normais.
Naquele momento, o filme que passou diante dos olhos deles – desde o dia do exame positivo até a data do parto – tem como pano de fundo a influência da maternidade em mudar o curso das doenças.
“Os primeiros doutores que eu visitei não foram nada, nada, nada otimistas. Mas eu não me resignei”, lembra Karen.
Para as mães, conta ela, quase sempre a última alternativa não é, de fato, a última. E mesmo sem nunca estudar medicina, elas são capazes de aprender tudo para garantir a saúde dos filhos – e com isso ainda ajudar os filhos de outras mulheres.

Influência materna
Os médicos conseguem pontuar diversas conquistas médicas que tiveram origem nos anseios maternos. A influência está em doenças simples como a gripe. As grávidas foram as que primeiro mostraram aos infectologistas que, nesta condição, a infecção pelo vírus influenza tende a ser mais grave. A pressão delas, motivada pelo receio em adoecer mais por um vírus tido como trivial, está por trás da inclusão das gestantes, no ano passado, entre os que podem receber vacina de graça fornecida pelo governo federal.
Outro exemplo são as mulheres que se descobriram gestantes – simultaneamente ao diagnóstico de câncer de mama. Nelas, contam os oncologistas, morava o combustível para a ciência encontrar alternativas de tratamentos que, ao mesmo tempo, resguardavam a saúde do feto e prolongavam a vida da mãe. Nasceram então as quimioterapias mais específicas e menos tóxicas, recurso que já coleciona histórias como a de Márcia – que pariu e venceu o tumor maligno no mesmo compasso.
As mães também mostraram aos pediatras e ginecologistas que suas presenças ao lado dos berços de UTI neonatal, visita antes limitada, acelerava a cura dos pequenos prematuros e dos portadores de doenças congênitas.

Não só isso. Foi ao assistir a aflição de mulheres que viam seus filhos sem perspectivas de alta hospitalar, que a direção da unidade Arnaldo Pezzuti, interior paulista, montou uma ala totalmente diferenciada para reunir crianças que passariam o resto da vida em leitos hospitalares, espalhados pelo Brasil todo. Neste espaço, que funciona desde 2007, os pacientes não só evoluem, melhoram, como conseguem hoje realizar coisas impensadas como ver o mar, assistir jogos de futebol ou comer em lanchonetes.
Karen, a mãe de Miguel, pensou em todo peso que carregaria caso não tentasse “de tudo” para brigar com a mielomeningocele e a chance de hidrocefalia do filho.
“O amor, sem sombra de dúvida, seria o mesmo. Mas resolvi investigar as chances que ele tinha”, lembra ela.

Toda família
Mesmo sabendo das chances de cura remotas, Karen e o marido Eduardo pesquisaram. Muito. Livros, fóruns, evidências internacionais, hospitais estrangeiros. Ela dentista, ele empresário, viraram praticamente porta-vozes deste problema de saúde.
Até que chegaram aos neurocirurgiões brasileiros que realizavam a operação intrauterina, no limite do prazo disponível. Karen já estava de 24 semanas e Miguel, grandão, já pesava 2 quilos.
Foto: Alexandre Carvalho/ Fotoarena A irmã mais velha Júlia esperou Miguel e acompanhou suas conquistas. Hoje adora dar beijinhos em seus pés
A operação foi um sucesso, Guilherme aprendeu a fazer maria-chiquinha nos cabelos e dar banho na filha mais velha Júlia, 3 anos (para poupar esforços de Karen), e a mãe descobriu como brincar com a primogênita deitada no sofá.
“Além da ansiedade pelo bebê que estava na minha barriga, não queria que a Júlia sofresse com a minha ausência.”
O ponto final da história poderia ser as pernas do caçula para cima, os passinhos dados agora que ele está perto de completar 10 meses, e o amor de Júlia pelo irmão – que, por coincidência adora fazer carinho nos pés do pequeno.
“Mas eu quis ajudar outras mulheres a não ficarem na escuridão após o diagnóstico. Por isso, fiz o blog “vivendo com a mielo”. Porque às vezes sei que o que elas precisam e só conversar com quem tem uma história semelhante.”
Sem querer, Karen Wiering também está ajudando a protagonizar outra conquista creditada à maternidade. Os fóruns maternos na internet, pontuam os especialistas, ajudam a aproximar mais saúde das mães e dos bebês.

Fonte: http://saude.ig.com.br/minhasaude/2012-05-08/para-salvar-seu-bebe-ela-enfrentou-uma-cirurgia-intrauterina.html

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