sexta-feira, 5 de julho de 2013

Meu filho é muito inteligente. Será que ele é superdotado?












  

Getty Images

Desde os primeiros meses de vida, as crianças encantam e surpreendem a cada descoberta e exibição de novo conhecimento. Cercadas de estímulos, não é raro demonstrarem uma esperteza que faz os pais acharem que estão diante de pequenos gênios (“Ele liga o computador sozinho!” ou “Ela sabe encontrar o álbum de fotos no meu celular!”). Até esse ponto, tanto as ações infantis quanto as reações adultas são comuns a quase todas as famílias.
Mas algumas vão além. Ainda muito novinhas e antes de parentes e amiguinhos da mesma idade, falam frases completas, aprendem a ler e a escrever sozinhas, conseguem fazer contas, tocar um instrumento musical ou identificar corpos celestes quase sem ajuda externa. É aí que a luz de alerta desses pais pode acender: será que meu filho é superdotado?
Para ter certeza – e um laudo que comprove isso –, é preciso procurar um psicólogo especializado em superdotação ou em altas habilidades e fazer uma avaliação completa. “A psicoavaliação consiste em etapas qualitativas, com análise de aspectos emocionais, físicos e de personalidade, e quantitativas, com testes em habilidades mais específicas. São necessárias de oito a dez sessões, com intervalo de uma semana entre cada uma, para chegar a um psicodiagnóstico preciso e poder entregar um relatório aos pais e à escola”, detalha Luana Santana, psicóloga do Núcleo Paulista de Atenção à Superdotação e mestre em educação e superdotação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Laudos nas mãos e batalhas pela frente
Ou seja, é necessário tempo, comprometimento e paciência para enfrentar todo o processo. A pedagoga Daniela Baracat decidiu que vale a pena, e começou em julho a avaliação de seu filho Gustavo, de nove anos. Apaixonado por leitura e literatura, o garoto se mostrou mais desenvolvido intelectualmente que os coleguinhas de escola e, depois de cursar o jardim de infância, foi colocado na 1ª série do ensino fundamental aos quatro anos. “Eu me preocupava muito com a maturidade, mas, ao mesmo tempo, ele não queria mais ir às aulas. Achei melhor seguir o conselho da escola em que ele estava”, diz.
Sua intenção, caso se comprove a superdotação de Gustavo, é pedir uma bolsa de estudos integral em um colégio da rede particular paulistana – atualmente, ele estuda na rede pública. “Indo para uma escola forte e preparada para alunos com alto desempenho, ela se sentirá mais adequado e terá o acompanhamento necessário”, acredita. “Ele não precisa estudar para tirar notas altas, mas merece respaldo, porque é uma criança e sofre por estar fora da média, por causa das provocações dos colegas.”

O que Daniela encarará pelos próximos meses foi vivido pela advogada Claudia Hakim há algum tempo. E duas vezes: seus dois filhos (D., de 12 anos, e R., de nove – ela prefere preservar os nomes das crianças) são superdotados, com certificados que confirmam suas aptidões especiais – o que não a poupou de dores de cabeça.
“Eu era ingênua e achava normal minha filha falar muito bem desde um ano de idade. Para mim, ela era muito inteligente e só. Quando D. fez quatro anos, a escola me chamou para dizer que ela poderia ser adiantada um ano. Fizemos toda a psicoavaliação e recebi o resultado positivo, mas o pedido de aceleração não foi aceito pela Diretoria de Ensino. Tivemos que preparar um laudo psicológico e jurídico para matriculá-la na série adequada”, lembra. A superdotação de R., que também está um ano adiantado, foi confirmada quando ele tinha cinco anos e meio. “Os dois se adaptaram bem aos colegas mais velhos, têm amigos e facilidade com o conteúdo. Eles tiveram apoio psicológico e isso ajudou muito”, afirma.
Arquivo pessoal
Gustavo, nove anos, mostrou-se mais desenvolvido intelectualmente que os coleguinhas de escola
A delicada relação com as escolas
Por causa dos filhos, Claudia especializou-se no assunto e hoje ajuda, tanto juridicamente quanto em um grupo no “Mãe de Crianças Superdotadas” no Facebook, mães de crianças com altas habilidades que encontrem dificuldades no relacionamento com as escolas. “É uma realidade desgastante. Por não entender, os colégios muitas vezes questionam os laudos. Os pais têm que explicar, argumentar. O Brasil não tem políticas públicas que auxiliem esses alunos, mas eles têm o direito de estar na série que lhes é, comprovadamente, mais apropriada”, defende.
É fato que a maioria das instituições de ensino leva o desempenho médio em conta no trato com os alunos. De acordo com o psicólogo escolar Adriano Gosuen, isso pode fazer um superdotado se sentir excluído. “Quando se fala em educação especial, o pensamento é voltado para a deficiência, nunca para a supereficiência. Só que todos que estão fora de uma certa uniformidade sofrem”, explica. Luana complementa: “Essas crianças não podem ficar sem apoio. Alguém com capacidade para voar não deve continuar apenas andando”.
Os especialistas indicam atividades extracurriculares para suprir o que, nas aulas normais, não corresponde às expectativas da criança em relação às suas altas habilidades. Gosuen alerta que isso pode não ser tão simples. “Como elas raramente são previstas no currículo dos colégios, cabe aos pais encontrá-las e fornecê-las aos filhos, em nome de seu bem-estar.”
Acima de superdotadas, são crianças
Tão importante quanto se preocupar com o desempenho escolar de superdotados é garantir o direito que eles têm a uma infância normal. “Não se trata de negar, mas não se deve fazer uma distinção, uma marca por causa da inteligência”, aconselha Gosuen. “Acima de tudo, são crianças. Superdotados não são melhores que ninguém, somente são muito bons em um ou alguns aspectos”, diz Luana.
Claudia lida com seus filhos exatamente dessa maneira. “Faço questão de deixar claro para os dois que a superdotação é apenas uma boa característica de uma pessoa e não anula a necessidade de eles serem mais que isso. Superdotação não é sinônimo de genialidade. E, independentemente disso, enfatizamos em casa que o lado social também é interessante e importante.”
QI é fundamental?
Durante muito tempo considerado o único indicador confiável de superdotação, o quociente de inteligência (QI) hoje é tido como um dos itens a serem avaliados para determinar se uma criança é superdotada ou não. A Teoria das Inteligências Múltiplas, apresentada pelo psicólogo Howard Gardner na Universidade de Harvard (EUA) em 1985, uniu a essa medição o reconhecimento de nove outras habilidades que, se altas, podem determinar superdotação: musical, lógico-matemática, linguística, interpessoal, intrapessoal, corporal-cinestésica, espacial, naturalista e existencial.
“Pessoas com QI alto normalmente são superdotadas, assim como aquelas com QI baixo e pelo menos uma dessas inteligências desenvolvida acima da média”, esclarece Luana. Com base apenas no QI, a Organização Mundial da Saúde (OMS) dá conta de que de 3,5 a 5% da população seja superdotada. “Ou seja, o número real deve ser bem maior que isso”, finaliza.

Fonte:
Raquel Paulino - especial para o iG São Paulo


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