quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Tratamento de TDAH na berlinda

A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp defende uma posição polêmica. Ela questiona se o TDAH (ou Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) seria mesmo uma doença neurológica, já que alteraria somente o comportamento e a aprendizagem. Ela argumenta que os critérios de diagnóstico desta doença são vagos e amparados em normas sociais e que, mesmo assim, 75% deles não preenchem tais critérios. “Uma criança mais criativa e que tenha menos limites corre o risco de sair com esse diagnóstico de uma consulta”.
Aliado a esse posicionamento, ela alerta sobre o uso indiscriminado do metilfenidato, conhecido pelos nomes comerciais Ritalina e Concerta, e questiona a sua eficácia. O consumo do medicamento aumentou 75% em crianças com idade de 6 a 16 anos, entre 2009 e 2011, no Brasil, segundo dados do Boletim de Farmacoepidemiologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Em nenhum outro caso da Medicina esse número subiu tanto: o número de caixas do medicamento vendidas passou de 71 mil para 2 milhões de 2000 a 2010”, assinala. Confira a entrevista:
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Divulgação / <b>Perfil</b>: A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés é professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp
Perfil: A pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés é professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp

O que significam os números relacionados ao diagnóstico e à venda de medicamentos para o TDAH?
Isso serve de alerta. Não questiono que existam pessoas com os comportamentos que caracterizam o TDAH – como desatenção e dificuldades de aprendizagem –, mas não é comprovado que exista uma doença neurológica que altere apenas o comportamento e a aprendizagem. Observo que está se perdendo o foco no diagnóstico e deixando de lado a avaliação dos motivos desses comportamentos. Um dado importante é que, quando se fala que de 5% a 10% das pessoas podem ter um transtorno, quem tem o mínimo de conhecimento médico sabe que este distúrbio deve ser encarado como um produto social e não como uma doença inata. Ou seja, tem a ver com o estilo de vida.
Quais são hoje os critérios para avaliação do TDAH?
Os critérios para avaliação desse transtorno são vagos, imprecisos e abrangentes (foi criado um questionário, chamado SNAP-IV, para definir o diagnóstico a partir dos sintomas do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria). Pegue, por exemplo, um dos itens deste questionário “com que frequência você comete erros por falta de atenção quando tem de trabalhar num projeto chato ou difícil?”. Com quem não acontece isso? Não são critérios de doença, mas normas sociais. Mesmo assim, 75% destes diagnósticos não acabam preenchendo tais critérios.
Quem vem recebendo o diagnóstico desta doença?
São crianças e adolescentes com uma infinidade de quadros. Elas são extremamente agitadas, inquietas, mais ativas, questionadoras. Por exemplo, de acordo com esse questionário, se a criança não presta atenção na aula, mas presta atenção no videogame, um comportamento não anula o outro. Esse questionário não tem modulação. Também há um grupo não desprezível que manifesta esse comportamento como uma resposta para algum conflito ou violência, que pode ser física ou psíquica. E há ainda um terceiro grupo, também não desprezível, que tem doenças neurológicas ou psiquiátricas que são simplesmente diagnosticadas com o TDAH, escondendo o real problema.
O que podemos falar aos pais que estão passando por essa situação?
Eles precisam se reapropriar dos seus conhecimentos como pais, olhar mais para seus filhos e ser mais críticos quanto ao diagnóstico. Muitas vezes este comportamento é um pedido de ajuda da criança. Tem que haver uma orientação familiar para essas crianças e, se preciso, psicológica.
Se uma criança chegasse ao seu consultório com sintomas como agressividade, falta de concentração e impulsividade (que, na teoria, seriam sintomas da TDAH), como a senhora a trataria?
Se ela estivesse um pouco mais agitada, mais agressiva do que o padrão, tentaria entender o motivo, o contexto e pesquisar os pais também. Em algumas crianças você vai encontrar o porquê, em outras não. E essas são as incógnitas da Medicina. Mas, diagnosticá-la com TDAH é deixar de investigar o real problema. Eu não sou contra medicamentos, mas não prescrevo drogas psicoativas.
Por que não?
Temos que ter uma cautela especial aos dos efeitos adversos. São muitas as reações. E com crianças e adolescentes esse cuidado deve ser infinitamente maior, pois estamos falando de estimulantes do sistema nervoso central.
Por causa desse diagnóstico, muitas crianças têm tomado a Ritalina ou o Concerta. O que eles podem causar?
Ele é um estimulante e pode causar dependência. O metilfenidato é um estimulante do sistema nervoso central que tem a mesma ação das anfetaminas e da cocaína: aumentar a concentração de dopaminas, o neurotransmissor ligado ao prazer, nas sinapses. Assim, o que acalma a pessoa é outra dose da droga. Existem outras reações adversas, como cefaleia, tontura, surtos de insônia, sonolência e o efeito zombie like, em que a pessoa fica quimicamente contida em si mesma. O que também vale ressaltar é que não há comprovação científica de que ele funciona. Uma pesquisa feita pelo Centro de Medicina baseado em evidências da Universidade de McMaster (Canadá) apontou que dos 10 mil trabalhos que provaram que o metilfenidato funciona, apenas 12 foram considerados trabalhos científicos. Destes, foram encontrados que a orientação familiar tem alta evidência de bons resultados, enquanto o medicamento tem baixa evidência.
A senhora acredita que o uso indiscriminado do metilfenidato pode ser um exemplo de medicalização da educação?
Seria um exemplo. A medicalização não necessariamente quer dizer dar remédio e nem necessariamente por médicos, mas transformar um problema coletivo em uma doença inata. E são muitas as consequências: a primeira delas a de transformar essa criança em um doente. Mas também pode se chegar ao ponto de que, quando ela obtiver algum sucesso, não acreditar que foi por méritos próprios, mas por causa do remédio. Além, claro, de ocultar os problemas reais.

Confira o questionário de avaliação dos sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, que contém 18 situações baseadas no Manual de Diagnóstico e Estatística – IV, da Associação Americana de Psiquiatria. As respostas variam de nem um pouco a demais:

1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas
2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades de lazer
3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com ele
4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres de escola, tarefas ou obrigações
5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades
6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em tarefas que exigem esforço mental prolongado
7. Perde coisas necessárias para atividades (ex: brinquedos, deveres da escola, lápis ou livros)
8. Distrai-se com estímulos externos
9. É esquecido em atividades do dia-a-dia
10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira
11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em que se espera que fique sentado
12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas em situações em que isto é inapropriado
13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades de lazer de forma calma
14. Não para ou frequentemente está a “mil por hora”
15. Fala em excesso
16. Responde as perguntas de forma precipitada antes de elas terem sido terminadas
17. Tem dificuldade de esperar sua vez
18. Interrompe os outros ou se intromete (ex: intromete-se nas conversas, jogos, etc.)
Fonte: www.tdah.org.br


Fonte: Gazeta do Povo

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